quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

pés amarrados

a sensação de ter sido presenteado pela vida desapareceu assim que ele leu a sentença: "a tentativa de um relacionamento abandonada".
seu coração e a tal da tentativa de gostar foram abortadas pela distância, infortúnio, e amargores cotidianos. ele, que de um segundo para o outro havia se transformado de desejo de relacionamento para tentativa e em seguida num abandono, chorou rindo de sua desgraça e se lançou em beijosabraçosemaranhados no primeiro corpo anônimo na tentativa desconhecida de se perder. o pior: é que não se perdeu! e sim, gozou, gozaram compreendidos nos seus corpos. recompensado pelo prazer sem nome e endereço, e recobrado de sua tentativa de existência, ele calçou os sapatos bem amarrados, para que seus pés também não o abandonassem.

domingo, 4 de janeiro de 2009

primeiro

quando ele fechou a última caixa, teve uma certeza: encerrou ali um tempo, seu passado.
quando seus olhos tocaram todas aquelas caixas repletas de passados, teve vontade de gritar.
não gritou. chorou em silêncio como todos aqueles que reconhecem a perspectiva de um novo tempo e a dor dessa passagem.
sorriu em seguida. olhou pela última vez o céu que o sempre iluminou e choveu naquela janela. trancou-a. se despediu do cômodo que o tornara mais feliz. e ao trancar a porta, engoliu a chave, para terminar, finalmente, a digestão do tempo.
abriu o portão que o levava para a rua e sorriu: um novo vento soprava nos seus cabelos e arejavam seus sonhos mais ternos. uma vontade súbita de correr rompeu seu peito guiando os pés frenéticos entre ruas infinitamente desconhecidas.